segunda-feira, 12 de outubro de 2015

‘Três meses sem aula, em greve, não é razoável’, diz Mercadante

 Renata Mariz

O Globo

Novo ministro da Educação dá primeira entrevista após assumir o cargo pela segunda vez

Jorge William  
Mercadante: “Temos que trabalhar o financiamento da educação. 
Como estamos numa crise fiscal, precisamos melhorar a gestão” 

BRASÍLIA — Na primeira entrevista como ministro da Educação após assumir o cargo pela segunda vez, Aloizio Mercadante defendeu a volta da CPMF para aliviar o caixa da União e, desta forma, levar mais recursos para o ensino; condicionou novas vagas no Ciência sem Fronteiras a parcerias e anunciou mutirões para destravar a construção de creches. Para melhorar a qualidade da educação básica, ele quer priorizar 28 mil escolas que concentram 70% dos alunos com pior desempenho em alfabetização. Mercadante criticou as longas greves de professores nas redes federais, destacando que é preciso “responsabilidade”, e disse que criará regras novas para avaliar cursos de graduação.

Com os cortes orçamentários, como garantir o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), sobretudo a de aplicar 10% do PIB?
Para aumentar a participação percentual do PIB no orçamento, o Congresso Nacional, as assembleias legislativas e as câmaras municipais precisam tomar essa decisão. É preciso ter fonte de financiamento. O que nós conseguimos, inclusive quando eu estava no ministério, é a vinculação dos recursos do fundo social do pré-sal e dos royalties do petróleo para a Educação. Hoje, o resultado não é muito significativo porque houve uma queda forte no preço internacional do petróleo, mas é uma fonte promissora, nova e que vai crescer. Temos que continuar trabalhando o financiamento da educação. Agora, como estamos numa situação de crise fiscal, precisamos melhorar a gestão. Fazer mais com menos.

Como fazer isso, na prática?
Quando entrei aqui, fizemos um pregão eletrônico reverso, em que as empresas vão dando o menor preço, para compras compartilhadas dos hospitais universitários. Economizamos mais de R$ 500 milhões, uma redução de 34%. Aumenta a escala, o preço cai. Estou propondo que façamos o mesmo para as universidades. Quero fazer parceria com o BNDES, que tem programa para eficiência energética. Se a universidade compra energia em alta tensão, cria estação e faz a convenção, o custo cai 60%. Precisamos pensar em eficiência.

E a educação básica?
Isso vale também para a educação básica. Ano que vem, temos que colocar todas as crianças de 4 a 5 anos na escola, de acordo com o PNE. São cerca de 700 mil crianças. Elaboramos um módulo básico de creche, com investimento de R$ 400 mil, para ser feito como uma extensão em escolas que já existem, onde há segurança, energia, todas as soluções prontas. Para que o prefeito possa, com todas as dificuldades fiscais, acomodar as crianças. Entregamos mais de 2.800 creches e temos mais de 2.200 em conclusão.

São as creches daquele pregão centralizado, que o MEC fez na gestão do senhor, que agora terão um novo projeto?
Isso. Mas aquela creche é um equipamento complexo. É o prédio mais bonito e mais importante do bairro popular. Mas é muito mais cara, inclusive no custeio. Daremos uma resposta possível para essa demanda com o módulo básico, que está pronto. Estamos fazendo mutirão para acelerar essas parcerias com as prefeituras. Isso é para ontem. A outra iniciativa que lançamos é fazer uma convergência de três pilares da educação básica voltados para a alfabetização.

Como será essa convergência?
Temos o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa, que trouxe a Avaliação Nacional de Alfabetização, um exame censitário, e o Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), que é uma bolsa de estudo para 300 mil professores alfabetizadores. No entanto, os resultados da primeira avaliação (divulgados há cerca de 15 dias) são aquém do que o Brasil precisa: 22% das crianças não sabem ler o esperado, 30% não escrevem adequadamente e 52% não dominam os princípios da matemática. Então, temos que aumentar a eficiência desse programa. Paralelamente, há o Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência), que leva os alunos de licenciatura a fazerem estágio nas escolas públicas. O problema é que esses estágios são feitos sem nenhum critério pedagógico no sentido de qual é o papel da pessoa no sistema para melhorar a qualidade da aprendizagem. São 87 mil bolsas. É um esforço grande.

Mas só 18% dos ex-bolsistas do Pibid viram professores, segundo o senhor falou na posse...
Exatamente. É um programa que tem que ser revisitado, a exemplo do Pacto pela Alfabetização. Um outro programa ao qual demos muita ênfase na expectativa de melhorar o Ideb foi o Mais Educação, com três horas a mais no contraturno de atividades esportivas, culturais e de reforço escolar. A nossa ideia agora é que o Mais Educação tenha foco prioritário em matemática e português. Então, o Mais Educação, o Pibid e o Pnaic integrados, com sinergia e consistência, trarão melhorias significativas nos resultados.

Essa integração se dará quando e quais escolas serão o alvo?
A Secretaria de Educação Básica se reunirá com o Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) para discutir. Chamaremos várias entidades experientes nesse processo de formação de alfabetizador para redesenhar esses programas. Já sabemos que 70% dos alunos que não sabem ler, escrever adequadamente ou que não dominam os princípios da matemática estão em 28 mil escolas. Essas escolas têm de ser priorizadas.

E para as graduações, alguma mudança à vista?
Sim. Nós queremos incluir fluxo como uma das dimensões do CPC (Conselho Preliminar de Curso), como ocorre no Ideb. Você não pode avaliar o quanto um curso é bom se você não leva em consideração quantos alunos ingressam e quantos concluem o curso. É fazer com que a escola se empenhe em manter o aluno estudando e que conclua o trabalho formativo.

Como o governo vai alavancar o Pronatec?
Começamos, quando eu ainda estava na Casa Civil, a fazer um acordo com o Sistema S (do qual fazem parte Senai, Senac, Sesi e Sesc). Todos se dispuseram a contribuir com 25% dos seus recursos em 2016, que dá mais ou menos R$ 5 bilhões, ofertando serviços. Um deles é o Pronatec, que vai avançar especialmente com a rede própria dos institutos federais, mas o Sistema S terá um protagonismo importante.

O Ciência sem Fronteiras continua suspenso para 2016?
Hoje temos 32 mil estudantes nas melhores universidades do mundo. É um esforço gigantesco, com resultados surpreendentes, mas o setor privado participou pouco. Precisamos sentar com o setor privado e repactuar. Mandamos agora 8.500 jovens que permanecerão com a bolsa ano que vem. Mas, com o câmbio, é um programa que ficou mais caro. Para novos editais, vamos ter que buscar formas criativas de financiamento, até que melhorem as condições. Aprovar a CPMF ajudaria muito.

De que forma ajudaria?
O caixa da União é único. É um imposto que todo mundo paga, e paga pouco. Abrange as empresas, as pessoas físicas, a economia formal e informal, é fácil de arrecadar e ninguém sonega. Mesmo que ele seja canalizado para a Seguridade ou para a Saúde, alivia a receita do Estado para atender, por exemplo, a Educação.

Mas o governo tem apoio no Congresso para aprovar?
Temos tempo. Vamos trabalhar. Precisamos convencer, argumentar e mostrar a importância que tem. Mas agora (falo) só de Educação.

O senhor afirmou, no discurso de posse, que o direito de greve na Educação precisa ser debatido. O que está errado?
Os professores tiveram o melhor reajuste salarial de todos os servidores federais do Brasil, em 2012. Fui presidente da associação de professores da PUC de São Paulo, fundamos o Andes, hoje sindicato nacional dos docentes. Lutamos pelo direito de greve, que tem que ser respeitado e garantido. O que não é razoável é uma criança ficar três meses sem aula por causa de greve. Quando há greve de quatro meses nas universidades, o aluno perdeu 10% do tempo total que ele teria de ficar. As pessoas pagam imposto para ter resultado. E o retorno é a aula. Se eu tenho estabilidade no emprego e recebo meu salário sem trabalhar, sem nenhuma contrapartida, as greves se prolongam, mas o país está perdendo. Essa discussão terá que ser feita, com transparência e maturidade.

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