segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O futuro é a educação

Paulo Guedes
Exame.com

O Brasil não vai passar para a primeira divisão da economia mundial sem virar de cabeça para baixo seu sistema educacional. Esta provocativa afirmação sintetiza o excelente seminário sobre educação promovido pela edição especial de BRASIL EM EXAME. Antes mesmo que as ondas de progresso material deflagradas pelo capitalismo industrial atinjam a maior parte da população brasileira, uma nova ameaça pode condenar novamente à exclusão milhões de indivíduos e milhares de empresas. Basta que não satisfaçam os requisitos de uma nova ordem, paradoxalmente centrada no aperfeiçoamento do capital humano. 

O crepúsculo do século XX marca a definitiva transição da sociedade industrial para a Grande Sociedade Aberta, a Sociedade do Conhecimento e da Informação. A simples acumulação de capital físico sob a forma de rodovias, hidrelétricas e usinas de aço explica cada vez menos a riqueza das nações, o sucesso das empresas e a renda dos indivíduos. O colapso de nosso gigante emergente, o Brasil do regime militar, mostrou que esse tipo de crescimento tem pernas curtas. 

A dinâmica de acumulação relevante se deslocou da quantidade para a qualidade da mão-de-obra (educação) e do capital físico (tecnologia). Os recursos naturais perdem importância para fatores artificiais, produzidos pela inteligência humana. O verdadeiro patrimônio nacional, a chave para o futuro, não estava na Petrobrás ou na Vale do Rio Doce, mas num eficiente sistema educacional. O Japão não tinha petróleo, não tinha minérios, não tinha sequer espaço agrícola. Tinha apenas japoneses, e cada vez que um nascia, o outro caía dentro d água. Mesmo sem carvão e ferro, o país tornou-se dominante na indústria do aço. Tem presença marcante nas indústrias eletro-eletrônica, automobilística, robótica, microeletrônica, telecomunicações, computadores etc. 

Há um eficiente sistema educacional por trás desse desempenho notável. China, Coréia do Sul e Taiwan também avançam rumo ao futuro com base em importantes reformas do sistema educacional: testes em matemática e ciências aplicados em 20 países, para alunos com até 13 anos de idade, trazem os asiáticos nas primeiras colocações, acima da Suíça, Estados Unidos, Rússia, França, Inglaterra e Israel. Brasil e Moçambique foram os últimos colocados entre os países examinados, vindo abaixo da Escócia, Eslovênia, Irlanda e Jordânia, entre outros. 

Além do investimento maciço no ensino básico, compulsório e gratuito, os asiáticos são grandes usuários do sistema universitário americano, onde buscam aperfeiçoamento nos cursos de graduação e pós-graduação. E, apesar desse formidável esforço de adaptação à sociedade do conhecimento, o economista Paul Krugman diagnostica uma tendência à desaceleração econômica na região. Segundo Krugman, o crescimento asiático resulta de uma alocação mais eficiente de recursos convencionais, como mão-de-obra e capital físico. E não de um mecanismo auto-sustentável de geração de novas tecnologias, que resultaria da excelência de capital humano e de técnicas superiores de produção, gestão e distribuição, como ocorre no caso da economia americana. 

Se a Ásia está ameaçada de ficar na segunda divisão, com maior taxa de poupança e mais eficiente sistema educacional, imagine o Brasil. Os números que emergiram do seminário são assustadores. De cada 100 crianças que ingressaram na escola este ano, menos de 50 concluirão o ciclo básico, 20 chegarão ao secundário e apenas 5 entrarão nas universidades em 2008. O nível médio de escolaridade do trabalhador brasileiro é de 3,8 anos (comparável ao Haiti e a Honduras) contra 8,7 na Argentina, 9 no Paraguai e 11 na Coréia do Sul. E virar a educação de cabeça para baixo significa priorizar o ensino básico, quando hoje fazemos exatamente o contrário: 400 000 universitários, pouco mais de 1% dos 35 milhões que representam a população escolar, recebem 18,2% de todos os recursos públicos destinados à educação pelos três níveis de governo. 

A política educacional reforçou o modelo concentrador de renda, subsidiando o ensino superior dos ricos em detrimento do ensino básico dos pobres, enquanto o BNDES transferia a poupança compulsória dos trabalhadores para os industriais paulistas. O BNH subsidiava a habitação da classe média e o imposto inflacionário engordava o lucro dos bancos. Os monopólios públicos e os oligopólios privados exploravam o consumidor brasileiro com reservas de mercado em uma economia fechada e perversamente regulamentada. A promulgação da emenda constitucional no 14, que a partir de 1998 redireciona para o ensino básico, de acordo com o número de alunos matriculados, 60% dos recursos que estados e municípios devem aplicar em educação, é o pontapé inicial de uma nova estratégia. 

Mas, em vez de se embevecer com sua estratégia, como é próprio da classe política quando trabalha, o governo deve submeter o sistema educacional à avaliação dos consumidores. A criação do vale-educação, ampliando a liberdade de escolha dos alunos pobres em busca do melhor ensino, conforme sugestão do prêmio Nobel Gary Becker, e a desregulamentação (mediante a remoção das barreiras à entrada e com preços livres) aumentariam a competição no setor. Isso significaria mais oferta e melhor qualidade dos serviços educacionais. Investir na educação do brasileiro é o fator crítico de sucesso para aumentar a taxa de crescimento econômico, melhorar as condições sociais e reduzir os desequilíbrios na distribuição de renda. Pode viabilizar a inserção competitiva das empresas brasileiras na economia globalizada e criar novas vantagens comparativas em face da dinâmica tecnológica avassaladora do século XXI. Pode também aperfeiçoar a superestrutura institucional e política brasileira e, fundamentalmente, permitir ao indivíduo a plena realização de seus potenciais, missão suprema desta dádiva que temos como espécie: a consciência da vida.

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