segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Mulheres modernistas

 Felipe Machado

Revista ISTOÉ

O evento que aconteceu há um século teve poucas representantes, mas a força da influência feminina na época continua presente na arte brasileira até os dias de hoje

 (Crédito: Divulgação)

MUSA Manteau Rouge, autorretrato de Tarsila do Amaral:

 paixão pela arte do Brasil após temporada em Paris 

Há um século, em 13 de fevere, o dramaturgo Graça Aranha subia ao palco do Theatro Municipal, em São Paulo, para apresentar a conferência A Emoção Estética da Arte Moderna. “Para muitos de vós, o curioso e sugestivo evento que gloriosamente inauguramos hoje é uma aglomeração de horrores”, proclamou, na palestra que abriu a Semana de 1922. Apesar de ser um marco na cultura brasileira, não foi a primeira mostra do genêro no País. Exposição de Pintura Moderna, de Anita Malfatti, já havia surpreendido o País em 1917. 

Divulgação

A Semana de 1922 contou com apenas quatro mulheres: as pintoras Anita Malfatti e Zina Aita, a artista têxtil Regina Graz e a pianista Guiomar Novaes. O baixo número, porém, não impediu a grande influência que elas tiveram sobre o modernismo brasileiro – sem contar as que ingressaram mais tarde no movimento. A pintora Tarsila do Amaral, que estava em Paris na época do evento e voltou quatro meses depois, logo se tornou um de seus principais nomes; a escritora e ativista Pagu só ingressaria na turma em 1928, mas seu ativismo é referência para o movimento feminista até hoje.

 (Crédito:Divulgação)

PIONEIRA Autorretrato, de Anita Malfatti: Semana de 1922 foi reação

 de jovens artistas contra as críticas de Monteiro Lobato à pintora 

É possível dizer que a própria Semana de 1922 não existiria sem a exposição de Anita Malfatti em 1917 – os tais “horrores”, que Graça Aranha ironizaria cinco anos mais tarde. Foi a primeira vez que os brasileiros viam obras cubistas e pós-impressionistas influenciadas pela vanguarda europeia. Os conservadores ficaram chocados: o escritor Monteiro Lobato detonou a pintora no texto Paranóia ou mistificação?, publicado na imprensa. A crítica teve forte impacto: das 53 obras expostas, foram vendidas apenas oito – e seis delas acabaram sendo devolvidas logo depois. Os dois quadros negociados haviam sido comprados por artistas que se tornariam os melhores amigos da artista: Mário de Andrade e Oswald de Andrade. “Anita só aguentou a pressão porque era uma mulher de muita personalidade”, afirma Luiz Francisco Pini, seu sobrinho-neto. “Estava acostumada a superar problemas desde a infância. Aprendeu até a pintar com a mão esquerda porque tinha um problema na mão direita. Era uma mulher muito determinada.”

 (Crédito:Divulgação)

Pagu teve mais importância como ativista. 

Publicouseu primeiro livro somente em 1933 

Descendente de alemães, Anita estudou pintura em Berlim e Dresden por incentivo do tio, Jorge Krug, arquiteto que trabalhava no famoso escritório de Ramos de Azevedo, responsável por marcantes obras em São Paulo. Na viagem, teve contato com o Expressionismo Alemão, estética que influenciaria seu estilo. Em 1915, deixou o país rumo a Nova York, nos EUA, para fugir da Primeira Guerra. Voltaria ao Brasil dois anos depois, para a exposição de 1917.

“O poeta Menotti del Picchia a considerava pioneira da ‘revolução’ de São Paulo”, afirma Paulo Villella, do Instituto Anita Malfatti. “Ela foi a primeira a misturar as técnicas europeias com os temas brasileiros, por meio do uso de cores fortes e elementos tropicais, como frutas.”

Em 2018 Anita passou a frequentar o ateliê de Pedro Alexandrino, onde conheceu e ficou amiga de uma de suas alunas mais brilhantes: Tarsila do Amaral. A jovem artista deslumbrou-se com o estilo original de Anita, que ia muito além das naturezas mortas que Alexandrino ensinava em seu estúdio. Influenciada pela amiga – que mais tarde se tornaria rival –, foi a vez de Tarsila ir estudar em Paris. Voltou ao País apenas em junho de 1922, quando se apaixonou pelo movimento modernista e por um de seus líderes, Oswald de Andrade. Os dois se casaram em 1926, formando o “Tarsiwald”, um dos primeiros casal de celebridades no país. 

Mário de Andrade por ele Mesmo - 

aulo Duarte Ensaios sobre a cultura e correspondências 

 

Parque Industrial - Pagu Um “romance proletário”:

 reflexão revolucionária publicada em 1933

 

Modernismos 1922-2022 - Vários autores 29 ensaios sobre

 a Semana e seus desdobramentos nos dias de hoje 

 

 Lira Mensageira - Sergio Miceli

 Carlos Drummond de Andrade e o grupo modernista mineiro 

 

Serafim Ponte - Grande Oswald de Andrade 

Um dos marcos do movimento, foi considerado “escandaloso” 

Oswald também se envolveu com outra mulher essencial para o modernismo: Pagu. Patrícia Galvão tinha 18 anos quando se aproximou dos modernistas e conquistou a turma com os ideais inspirados pela Revolução Russa. “Tarsila adotou Pagu”, afirma Tarsilinha do Amaral, sobrinha-neta da pintora. “Ela era linda e muito simples, não tinha nem roupas para frequentar as festas. Tarsila emprestava tudo.” A importância de Pagu, no entanto, foi mais política que artística. “Era uma mulher muito livre, uma intelectual. Só foi se tornar escritora mais tarde.” Essa liberdade trouxe consequências: teve um caso com Oswald e engravidou. Para evitar o escândalo, ele a obrigou a se casar com Belizário, assistente de Tarsila, sem que a esposa soubesse de nada. Na lua de mel, porém, Oswald viajou para a Bahia, dispensou o funcionário e passou um mês com Pagu. Na volta a São Paulo, Tarsila pediu a separação. Pagu e Oswald casaram-se em 1930.

Hoje os quadros de Anita e de Tarsila valem milhões de dólares, mas a primeira modernista brasileira a ser reconhecida no exterior foi a pianista Guiomar Novaes. Admiradora de Frédéric Chopin, ficou fascinada com a música de Heitor Villa-Lobos na Semana de 1922 e tornou-se sua principal intérprete em concertos internacionais. Hoje, cem anos depois, os “horrores” das modernistas brasileiras conquistaram o mundo.  

(Crédito:Divulgação)

INTERNACIONAL Guiomar Novaes: 

a maior intérprete da obra de Villa-Lobos 

Pioneiras como Tarsila do Amaral e Anita Malfatti abriram o caminho para as gerações de artistas femininas que vieram depois, das escultoras Lygia Clark (1920-1988) e Lygia Pape (1927-2004) a nomes contemporâneos, como Adriana Varejão (foto) e Beatriz Milhazes. Ambas fazem sucesso no mercado internacional: a tela “Parede com incisões à La Fontana II”, de Adriana Varejão, é a obra de um brasileiro vivo mais cara da história: foi leiloada na Christie’s, em Londres, por R$ 2,72 milhões. Beatriz Milhazes também já expôs em mostras internacionais nos EUA e Europa, e seus trabalhos integram os acervos dos museus MoMA, Guggenheim e Metropolitan, em Nova York.

Divulgação

Artistas atuais foram influenciadas pelas modernistas

Nenhum comentário:

Postar um comentário